terça-feira, outubro 10, 2006

Iracema - Uma Transa Amazônica (Clássicos do Cinema Brasileiro - 1)


Filmado em 1974, Iracema – Uma Transa Amazônica, de Jorge Bodansky, teve exibição proibida no Brasil por seis anos. É, sem dúvida, um dos mais importantes documentos que o cinema produziu na história do Brasil.

O filme trata da história da adolescente Iracema (Edna de Castro), que se envolve com o caminhoneiro Tião Brasil Grande (Paulo César Peréio). Os dois seguem pela rodovia Transamazônica, que, na época, era um dos motivos de ostentação do poderio do governo militar. A ditadura propagava que o Brasil era o país do futuro, do desenvolvimento, a potência do ano 2000.

Entretanto, o que os personagens encontram às margens da rodovia é muita miséria e descaso com a pobreza da região. Prostituição infantil, grileiros, contrabando de madeira (o próprio Tião é um contrabandista), queimadas e desmatamento são comuns naquela realidade até então desconhecida do resto do Brasil.

Mas talvez o mais interessante em Iracema não seja a denúncia em si, mas o modo como ela foi feita. Toda a equipe de produção do filme, incluindo o elenco, cabia dentro de uma Kombi, na qual o grupo se deslocava pela floresta para fazer as imagens. Há apenas dois atores profissionais no filme (Peréio e Conceição Senna).

Ao assistir Iracema, ficamos sem saber se estamos diante de documentário ou ficção. As duas coisas se misturam. Um dos motivos é que o filme não tinha um roteiro rígido definido. Os personagens interagem com pessoas reais. À medida que iam correndo a floresta, os atores conversavam naturalmente com pessoas em casas de prostituição, bares, restaurantes ou fazendas, e tudo era incorporado ao filme. Não havia ensaio. Tião provocava aquelas pessoas, com o discurso típico do governo militar.

Cultuado em festivais internacionais, Iracema caiu na censura da ditadura militar e só foi exibido no Brasil em 1980. No Festival de Brasília daquele ano, foi o mais premiado.

O diretor Jorge Bodansky conta que as queimadas na floresta eram tão comuns que ele se acostumou a vê-las e, por pouco, deixa de filmá-las. Porém, ao ver um gigantesco incêndio, ele colocou sua câmera 16mm na lateral da Kombi, deixou o filme rodando e pediu ao motorista que seguisse adiante. Essa tomada lateral foi a primeira imagem de queimada da Amazônia que correu o mundo. Até aquele instante, não havia consciência sobre o que era o desmatamento da Amazônia.

Creio que nem é preciso dizer mais nada para mostrar a importância deste filme. É bom parar por aqui, até porque quero que todos vocês assistam a Iracema. E depois me contem se gostaram ou não.

Só para completar: Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel, disse que foi Iracema que o fez abandonar a faculdade de arquitetura para pensar em fazer cinema. Ainda em tempo: não procure neste filme um motivo pra se divertir e comer pipoca. Felizmente, ele é muito, muito mais do que isso.

5 Comments:

At 11:31 AM, Blogger Aju said...

É realmente deva ser um documentario interessante, deve ser complicado achar ele hoje em dia pra assistir...
[]´s

 
At 11:31 AM, Anonymous Anônimo said...

Uma delícia ler seu blog... =)

 
At 12:15 PM, Blogger Paulo Morais said...

aju, permita-me te dar uma dica... se tiver banda larga em casa, use e abuse do emule. Lá você encontra.

Tatiane, fico honrado e extremamente grato por seu comentário. Volte sempre!

 
At 12:27 PM, Blogger André said...

Interessante seu blog, aliando o ensaio com divagações cinematográficas. Abraço!

 
At 1:01 PM, Blogger Tatiane Lima said...

Querido Paulo
(olha a intimidade!! rss)

Como vc pode ver, minha vizinhança não é uma das melhores... rss

Mas eu tenho fé... um dia melhora!

Beijão =)

 

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